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Geral - O automobilismo brasileiro perde Julita Barros, a grande dama do nosso esporte a motor

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Julita Barros
Foto:Vinicius Nunes
Quero falar de uma grande amiga que, derrotada pelo câncer, nos deixou na manhã desta sexta-feira, 9. Julita Barros era uma mulher notável. Amparada pela experiência adquirida em 72 anos de vida e com a disposição de uma garotinha de 20, dedicou décadas ao automobilismo e não tenho registro de nenhuma outra mulher que tenha tido no automobilismo brasileiro uma participação mais ativa do que ela. Não quero ser deselegante com as heroínas que permeiam o nosso esporte, mas historicamente acho que nenhuma outra teve tanta importância que ela.

Sempre ao lado do marido Carlinhos, já falecido, promoveu o kartismo por todos os cantos do Espírito Santo e coube a ela uma participação decisiva para a realização da primeira prova de Fórmula Ford em Vitória, ainda em 1989. Num grid formado, entre outros, por Rubens Barrichello, André Ribeiro, Tom Stefani e Djalma Fogaça, a etapa pioneira serviu como ponto de partida para que o Estado fosse incluído em definitivo no calendário do automobilismo nacional, com as provas que se seguiram da própria Fórmula Ford, depois Fórmula Chevrolet, Copa Clio e Brasileiro de Marcas e Pilotos. Evidentemente que as provas subseqüentes foram se moldando às novas exigências de segurança e de estrutura, mas o “caminho das pedras” foi ensinado por Julita Barros e seu grupo. Por certo, ela teve de pagar o preço pelo ineditismo do projeto, principalmente na tarefa de demover os obstáculos criados pelos menos crédulos, mas se orgulhou até o final da vida pelos resultados do seu pioneirismo.

Fosse como presidente da federação de automobilismo de seu estado ou na vice-presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo, Julita Barros sempre desempenhou o seu papel com enorme entusiasmo. Tinha uma capacidade de enxergar longe e a coragem de ousar em iniciativas e realizações em torno do automobilismo. É verdade que não tinha muita paciência com gente lerda e má intencionada, mas construiu tantas amizades que a “tia Julita” era festejada onde quer que fosse. Um exemplo disso foi a maneira entusiasmada com que foi saudada por Alfredo Guaraná Menezes, dos grandes campeões de nossas pistas e um dos heróis da aventura brasileira em Le Mans de 1978, em uma das festas de premiação da CBA, promovida pela gestão de Paulo Scaglione.

Foi o presidente da CBA que fez questão de ter Julita Barros ao seu lado, como vice-presidente da entidade, quando de seu primeiro mandato 2001/2005. Mesmo deixando o posto no segundo (2006/2009), ela sempre esteve ligada em todos os acontecimentos e muito interessada nas diversas esferas do automobilismo brasileiro. A doença já a incomodava e, cruel como poucas, limitava seus passos. Seus deslocamentos foram rareando e, nas conversas quase semanais que tinha com ela, eram constantes suas declarações de amor McLaren, a equipe preferida, e eu mesmo fui incumbido de, caso encontrasse em minhas viagens, adquirir em seu nome objetos da Ferrari. Ele queria presentear alguns membros da equipe médica que a assistia, fãs do time italiano.

Entusiasmada com o automobilismo brasileiro e sempre informada sobre o que acontecia, nas pistas e nos bastidores, era sempre uma palavra de apoio e amizade nos momentos mais difíceis. Não posso afirmar ao certo, mas acho que a última corrida que ela “assistiu” pessoalmente foi a de rua realizada em Vitória (ES), em setembro de 2007, promovida por Antonio de Souza Filho. O verbo está entre aspas porque, na verdade, o que menos ela viu foram os carros do Brasileiro de Marcas e Pilotos e da Copa Renault Clio na pista da Enseada do Suá. Os amigos ao redor não a deixaram ver as provas, tamanha eram as manifestações de carinho.

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Julita com Dr Paulo Scaglione
Foto:Vinicius Nunes
No sábado, bem no final da tarde, vi uma cena que me marcou profundamente. Julita não podia ficar muito tempo de pé e, sentada, disparava o seu sempre farto e atualizado repertório de piadas, uma mais suja e cabeluda do que a outra. Eis que veio um rapaz muito forte e alto – soube, depois, que se tratava de um preparador de kart muito atuante nas provas da modalidade que ela promovia na capital e pelo interior do Espírito Santo. Não lembro o nome, mas esse grandalhão se ajoelhou, beijou-lhe as mãos e, em silêncio, chorou. Eu só conseguir entender um balbuciar, entre soluços: “Tia Julita, que saudade!”. Ela ficou muito feliz naquele final de semana. E animada, pois fazia piada do próprio estado ao exibir uma peruca aos moldes de Rita Lee, na cor vermelha escura. “Aqui caiu tudo, mas aqui não”, e ria, primeiro apontando para a cabeça; depois para a cintura.

Nossos papos eram longos, mas recentemente passaram a ser mais breves por causa de sua fragilidade. De novembro para cá, em algumas oportunidades, ela simplesmente não conseguia atender. Já não se alimentava por via oral. Falamos no dia de Natal. Estava cansada, fraca, mas animada com as novas sessões da traiçoeira quimioterapia que teria pela frente. Foi nossa última conversa. Liguei algumas outras vezes, mas ela não podia atender e pela primeira vez ouvi a palavra “irreversível”. Nesta sexta-feira, como de hábito, liguei no celular dela para saber como esta. Atendeu seu filho Noni (Jeronymo). “Mamãe descansou”. E o silêncio se fez.

 

Américo Teixeira Jr

Noticia gentilmente cedida pelo site

www.diariomotorsport.com.br

 

Fotos Vinícius Nunes

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Julita com Dr Paulo Scaglione
Foto:Vinicius Nunes